Contos de Ionesco para Crianças. Conto nº 1

Publicado  terça-feira, 13 de abril de 2010

Josete já é uma mocinha, tem trinta e três meses. Uma manhã, como faz todos os dias, ela se dirige com seus passinhos curtos para a porta do quarto dos pais. Tenta empurra a porta, tenta abri-la igual a um cachorrinho. Perde a paciência e os chama, acordando então seus pais, que, pela cara não entendem o que está acontecendo.

Neste dia, papai e mamãe estavam cansados. Na noite passada, eles tinham ido ao teatro, ao restaurante e, logo depois do restaurante, ao teatro de fantoches. E agora estavam com preguiça. Isso não é nada bom para os pais!...

A empregada, ela também perde a paciência, abre a porta do quarto dos pais de Josete e diz:

- Bom dia, senhora, bom dia, senhor,
aqui está o jornal de vocês,
aqui estão as correspondências que receberam,
aqui está o café com leite e açúcar,
aqui está o suco de frutas, aqui estão os croissants,
aqui está a torrada, aqui está a manteiga,
aqui está a geléia de laranja,
aqui está a compota de morango,
aqui está o ovo estrelado, aqui está o presunto,
e aqui está a filhinha de vocês.

Os pais estavam indispostos porque, esqueci de dizer, depois do teatro de fantoches eles ainda foram ao restaurante. Os pais não quiseram tomar o café com leite, não quiseram a torrada, não quiseram os croissants, não quiseram o presunto, não quiseram o ovo estrelado, não quiseram a geléia de laranja, não quiseram o suco de frutas deles, também não quiseram a compota de morango (não era mesmo de morango, era de laranja).

- Dê tudo isso a Josete – Diz o pai à empregada – e, quando ela tiver comido, traga-a aqui de volta.

A empregada toma a menina nos braços. Josete esbraveja. Mas, como é gulosa, consola-se na cozinha, comendo: a geléia da mamãe, a compota do papai, os croissants do papai e da mamãe; e bebe o suco de frutas.

– Nossa! Que comilona! – diz a empregada. – Sua barriga é maior que o olho!...

E, para que a menina não passasse mal, a empregada é quem toma o café com leite, come o ovo estrelado, o presunto e também o arroz-doce que sobrou da noite passada.

Enquanto isso, papai e mamãe voltam a dormir e roncam. Não por muito tempo. A empregada torna a levar Josete para o quarto dos pais.

– Papai!... – diz Josete –, Jaqueline (é o nome da empregada), Jaqueline comeu o seu presunto.
– Não faz mal – diz Papai.
– Papai – diz Josete –, me conte uma história.

E enquanto a mamãe dorme, porque está ainda exausta da noitada, papai conta uma história a Josete.

– Era uma vez uma menina que se chamava Jaqueline.
– Como Jaqueline? – pergunta Josete.
– Sim, mas não é a Jaqueline. Jaqueline era uma menina. Ela tinha uma mãe que se chamava Sra. Jaqueline. O pai da pequena Jaqueline se chamava Sr. Jaqueline. A pequena Jaqueline tinha duas irmãs que se chamavam Jaqueline, duas primas que se chamavam Jaqueline, e uma tia e um tio que se chamavam Jaqueline. O tio e a tia, que se chamavam Jaqueline, tinham dois amigos que se chamavam Sr. Jaqueline e Sra. Jaqueline, que tinham uma menina que se chamava Jaqueline e um menino que se chamava Jaqueline, e a menina tinha bonecas, três bonecas, que se chamavam: Jaqueline, Jaqueline e Jaqueline. O menino tinha um amiguinho que se chamava Jaqueline e dois cavalos de madeira que se chamavam Jaqueline, e soldados de chumbo que se chamavam Jaqueline. Um dia, a pequena Jaqueline, com sei pai Jaqueline, seu irmãozinho Jaqueline, sua mãe Jaqueline, vai ao parque. Lá, ela reencontra os seus amigos Jaqueline com a menina Jaqueline, com o menino Jaqueline, com os soldados de chumbo Jaqueline, com as bonecas Jaqueline e Jaqueline.

Papai está contando suas histórias à pequena Josete quando a empregada entra no quarto. Ela diz:

– O senhor vai deixar essa menina doida!

Josete diz à empregada:

– Jaqueline, a gente vai ao mercado?

(Como eu disse, a empregada também se chamava Jaqueline.)

Josete vai ao mercado fazer compras com a empregada.

Papai e mamãe voltam a dormir porque estão muito cansados, na noite passada eles foram ao restaurante, ao teatro, de novo ao restaurante, ao teatro de fantoches, depois de novo ao restaurante.

Josete entra no mercado com a empregada e lá encontra uma menina acompanhada dos pais.

Josete pergunta à menina:

– Quer brincar comigo? Como é o seu nome?
– Jaqueline – responde a menina.
– Já sei – diz Josete à menina –, o seu pai se chama Jaqueline, o seu irmãozinho se chama Jaqueline, a sua boneca se chama Jaqueline, o seu avô se chamava Jaqueline, o seu cavalinho-de-pau se chama Jaqueline, a sua casa se chama Jaqueline, o seu peniquinho se chama Jaqueline...

Então o dono do mercado, a dona do mercado, a mamãe de uma outra menina, todos os clientes que estavam no mercado se voltaram com os olhos arregalados para Josete.

– Não é nada – diz a empregada, tranquilamente –, não se preocupem, são as histórias sem pé nem cabeça que o pai dela conta.

FONTE: IONESCO, Eugène. Contos de Ionesco para Crianças. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

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